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Variação recente do nosso poder aquisitivo

Confira o artigo elaborado pelo Núcleo SC analisando a variação do poder aquisitivo dos trabalhadores e trabalhadoras do IBGE e as perdas que tivemos.

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Variação recente do nosso poder aquisitivo

Precarização e desvalorização do trabalho

Em 1993, o então presidente Itamar Franco (vice que assumiu depois do impeachment de Collor), sancionou a lei 8.745, dispondo sobre a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse púbico, abrindo brecha para precarização de muitos serviços públicos.

Em seguida FHC, com sua ideologia neoliberal do estado mínimo, implementou “reformas” e políticas de “enxugamento” da máquina administrativa, lançando mão de privatizações (a famosa “privataria” tucana), limitando muito o ingresso de novos servidores, realizando pouquíssimos concursos e arroxando salários.

Para completar a fórmula catastrófica tivemos no IBGE uma sucessão de presidentes e conselhos diretores, que não se envergonharam de interpretar de forma extremamente “liberal”, em duplo sentido, o significado de necessidade temporária de excepcional interesse púbico, promovendo a franca substituição de trabalhadores efetivos por temporários, como ficou muito bem demonstrado no Boletim Precarização do Trabalho no IBGE1, publicado pela Executiva Nacional da ASSIBGE-SN em 2017.

Essa breve memória é essencial para que se entenda a questão salarial no IBGE pois, como veremos adiante, mesmo com ganhos salariais reais que conquistamos entre 2006 e 2012, o custeio do IBGE ficou abaixo da média do governo federal, como já alardeou o ex presidente Paulo Rabelo de Castro, por causa da desvalorização do trabalho temporário precarizado, que vem crescendo vertiginosamente no IBGE.

Primeira década do século 21

Entramos no século 21 com salários defasados, sob impacto das políticas de FHC que, seguindo receituário neoliberal, desvalorizou nossa força de trabalho, promovendo o arrocho salarial que inclusive aumentou a evasão de servidores, com muitos relatos de companheiras e companheiros que deixaram o IBGE nessa época, em busca de oportunidades melhores.

Pois em 2002 o salário inicial do Nível Intermediário, das carreiras de Ciência e Tecnologia, nas quais o IBGE se enquadrava, incluindo vencimento básico (VB) mais adicional de titulação (AT) e gratificação de desempenho (GD) era de R$ 942,962 (4,71 Salários Mínimos-SM) , e do Nível Superior com Mestrado (VB+AT+GD) era R$ 2.524,08 (12,62 SM). O valor convertido em SM já melhora nossos termos de comparação, porém o salário mínimo estava muito desvalorizado, também em decorrência do arrocho salarial então vigente.

Assim, para melhor entendimento da variação do nosso poder de compra ao longo do tempo, adotaremos como referência o Salário Mínimo Necessário (SMN), índice calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) com base no preceito constitucional de que o SM deve ser suficiente para atender as necessidades básicas do trabalhador e sua família.3 Nesses termos, temos que o salário inicial do NI equivalia em 2002 a 0,68 SMN e o inicial do NS equivalia a 1,83 SMN.

O governo Lula, eleito com amplo apoio dos servidores públicos, trouxe mudanças significativas na política de pessoal do governo federal, com aumento na quantidade de concursos e promoção de reestruturações de carreiras, com notável recomposição salarial e recuperação de poder aquisitivo.

Vale destacar o concurso de 2006, quando cerca mil novos servidores de nível intermediário ingressaram no IBGE, depois de longo período sem renovação dos quadros. Destaque-se também as reestruturações promovidas pelas leis 11.355/2006, 11.490/2007 e 11.907/2009, que além de enquadrarem os IBGEanos em carreiras e cargos específicos, promoveram ganhos salariais substanciais, recompondo nosso poder aquisitivo.

Em 2009 o salário inicial do Nível Intermediário (VB+GQ+GD) foi a R$ 3.211,28 (1,50 SMN) e do Nível Superior com Mestrado (VB+RT+GD), a R$ 7.235,03 (3,38 SMN).

É lamentável, todavia, que a direção do IBGE tenha decidido abusar da contratação temporária nesse mesmo período, promovendo um Processo Seletivo Simplificado (PSS) para contratação de 3.000 Agentes de Pesquisa e Mapeamento (APM) em 2007, com salários de R$ 600,00 (0,33 SMN). Com o final do prazo contratual outro PSS foi realizado em 2009, dessa vez para contratação de 3.500 APMs, e salário de R$ 700,00 (0,33 SMN).

Enquanto ingressaram cerca de 1.000 novos servidores efetivos por concurso público, ingressaram 3.500 trabalhadores temporários por PSS, com salários severamente rebaixados, como mostram os números.

Segunda década

Salários congelados a partir de 2009 e desigualdade salarial entre NI e NS, foram provocando a insatisfação da base IBGEana, culminando com um intenso movimento por recomposição salarial, com longa greve em conjunto com outros setores dos serviços públicos federais, em 2012. Apesar das dificuldades na negociação o governo cedeu e o resultado foi bastante favorável, com boa valorização das Gratificações de Qualificação do pessoal de NI e reajustes anuais entre 2013 e 2015.

Em 2015 o salário inicial do Nível Intermediário (VB+GQ+GD) foi a R$ 4.858,61 (1,38 SMN) e do Nível Superior com Mestrado (VB+RT+GD), a R$ 8.448,33 (2,40 SMN). Apesar dos reajustes não houve recomposição do poder de compra do nosso salário, que já começava a ser corroído pela inflação.

Enquanto isso a precarização avançava, com novos PSS para reposição dos contratos encerrados, sendo 4.250 vagas no PSS de 2011 e 7.600 no PSS de 2013, com aumento substancial em decorrência da demanda pelo início da PNAD-Contínua que, apesar de contínua, depende totalmente da mão de obra temporária. A remuneração era de R$ 850,00 (0,36 SMN) para o pessoal de 2011 e de R$ 1.020,00 (0,37SMN) para o pessoal de 2013.

Nossa última negociação salarial ocorreu em 2015, em meio a muitas incertezas e ainda com a esperança de nova reestruturação da nossa carreira. Optamos, assim como a maioria das categorias do funcionalismo federal, pelo reajuste de 10,8% em dois anos, com 5,5% em agosto de 2016 e 5% em janeiro de 2017. Desde então nosso salário está congelado e até ameaçado de redução por Bolsonaro, Guedes e equipe.

Chegamos em 2020 com o salário inicial do Nível Intermediário (VB+GQ+GD) em R$ 5.382,27 (1,01SMN) e do Nível Superior com Mestrado (VB+RT+GD), a R$ 8.448,33 (1,76SMN). Somos uma categoria com 7.838 aposentados, 4.392 ativos, 1.125 ativos aposentáveis e 6.838 temporários, estes com salário de R$ 1.387,50 (0,26 SMN)!

As figuras abaixo ilustram a variação salarial nas duas últimas décadas, para duas situações, a título de exemplo.

Os gráficos mostram como variou nosso salário desde 2002, tomando dois exemplos da nossa tabela de remuneração. A linha azul claro representa a variação real, com os picos e segmentos ascendentes mostrando as diferentes reestruturações ou acordos salariais e os segmentos horizontais mostrando fases de congelamento salarial. A linha vermelha mostra uma simulação de como seria a evolução se o salário fosse reajustado só pelo IPCA. É notável que tivemos ganhos reais no período, mas que a inflação está ascendente e nosso salário congelado. A linha preta, que se refere ao eixo Y secundário (da esquerda), ilustra a variação do nosso poder aquisitivo, quantificado com base no Salário Mínimo Necessário, índice usado pelo DIEESE para monitorar o valor mínimo para atender as necessidades básicas do trabalhador e sua família.

1 – Disponível em https://assibge.org.br/download/boletim-da-precarizacao/?wpdmdl=3787

2 – Tabelas disponíveis em https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/outros/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao

3 – Dados e metodologia disponíveis em https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

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